Ilustração: Ana Coruja. / Instagram: @Anacoruja |
Muitas pessoas passam pela pandemia com insegurança em relação ao futuro: como será a vida “normal” depois da COVID?
É fato que a pandemia está afetando a vida de muitas pessoas por todo mundo, e o momento mais esperado é o retorno à normalidade. Lógico que existe uma grande diferença entre um retorno seguro, seja com a utilização de testes em toda população, um medicamento realmente eficaz no combate à doença, ou quem sabe a tão esperada vacina. As pessoas sentem na pele as alterações drásticas do cotidiano que conheciam, e as adaptações forçadas que colocam em dúvida toda uma geração e seus desdobramentos. No entanto, a ânsia de forçar um retorno imediato a partir do comércio, serviços gerais e enfim a educação, torna tudo ainda mais problemático e preocupante. É imensa a vontade de dar seguimento à vida depois de tanto tempo em confinamento, todos querem retomar pelos mais variados motivos. Porém seria criminoso pensar nisso sem a cautela necessário para a segurança real em relação à vida das pessoas.
Educação durante e pós pandemia
Embora a educação seja responsabilizada para além do ensino educacional, e funcione também como amparo para o funcionamento de diversos setores sociais, não podemos arriscar a vida de nossas crianças, ou dos profissionais da educação por conta disso. Nada está normal ou perto de estar se a educação não estiver funcionando como as pessoas estão acostumadas. Seja se preocupando com o aprendizado, conhecimentos gerais e culturais, sendo cuidadas em creches com direito a alimentação e tudo o que o equipamento educacional oferece, ou qualquer outra atribuição que pensar. O fato é que sem a criança na escola a economia simplesmente não acontece.
Não adianta ter fábricas, ou comércios, se não existir quem trabalhe e produza. Assim como é imprescindível existir quem consuma estes produtos. Mas estas pessoas que produzem são as mesmas que compram, e se perderem os seus empregos não haverá vendas. Sem as crianças na escola definitivamente todo este esquema está comprometido. Os donos das fortunas do país não se tornam mais ricos, assim como o capitalismo não ferve do modo esperado, e também as pessoas não consomem o básico para sobrevivência. É uma cadeia de consequências, e quem sofre de verdade são os mais pobres, os trabalhadores e trabalhadoras. Tudo isso move a economia e a mantém como esteve até hoje. Definitivamente o trabalhador faz este mundo girar como conhecemos, é simples, é somar um mais um.
As grandes diferenças sociais
Diante de um cenário de caos, não somente os grandes empresários desejam continuar a encher seus cofres e manter suas empresas sem grandes prejuízos, são estes os que menos sofrem, é óbvio. Existem outras classes econômicas com sofrimentos diferentes disso, sentem na pele a falta do alimento sobre a mesa entre outras coisas. São muitas histórias, inclusive com crianças que sem as creches não têm garantida uma alimentação simples em nutrientes. A realidade das pessoas de baixa renda, ou abaixo da linha de pobreza, é de calamidade. As pressões acontecem por todos os lados.
Deste modo, se veem desesperadas pelo “normal” a todo custo; estava ruim, mas assim está pior. Esperam o momento de levar a criança na escola, ir para o trabalho, pegar o ônibus cheio, e se distrair no final de semana. A cartilha normal da maioria da classe trabalhadora do Brasil. Excluindo, é claro, aqueles que trabalham, e muito, nos finais de semana para garantir a diversão daqueles que não estão no batente. Sim, existem vários modelos de se trabalhar neste país e garantir seu salário, prosseguir com seus sonhos, ou talvez apenas sobreviver.
A possibilidade de maiores perdas
Em nenhum momento devemos negar estas preocupações legítimas. No entanto, é possível fazer um exercício com a imaginação: como seriam todos estes pequenos pedaços de cotidiano se perdêssemos um ente querido, ou simplesmente morrêssemos. Pensar que trabalhamos e fazemos tantas correrias em horários mirabolantes para “dar conta”, principalmente as mulheres que carregam muitas responsabilidades e cobranças de si mesmas e das pessoas com quem convivem. Avalie o que seria de tantas pessoas que, ao retornar a esta normalidade forçada e sem preocupação real com a sua segurança ou de suas crianças, como seria a sua vida caso seu filho morresse, e não tivesse mais quem levar a escola?
Imagine que tudo volte forçadamente, como estão tentando e exigindo os comerciantes, grandes empresários, e também alguns trabalhadores de modo geral. Caso o seu filho seja uma das vítimas da COVID ao ficar exposto ao vírus, ou a professora dele, a tia da perua, ou a outra tia que ele conhece na escola, alguns de seus coleguinhas, quem sabe a mãe de algum deles, a avó, ou até você. Que sentido faria toda esta pressa em relação ao retorno, caso você tivesse certeza de que alguém muito importante para você morreria? Esta vontade de retomar à antiga rotina, sem vacina ou medicação eficaz, mudaria?
É preciso se lembrar que existe uma doença entre nós que atravessou os oceanos e contaminou milhares de pessoas pelo mundo inteiro, e está matando muitas pessoas. No Brasil, atualizando na data de hoje, cerca de 78 mil pessoas.
Repensando a vida “normal”
Imagine o tanto de famílias que estão lamentando e sofrendo sua perda, sem ao menos poder velar seu ente querido. É assustador. Diante desde quadro, o que teria mais importância? Quando perdemos a vida, o que faz sentido para quem fica, senão lamentar o que poderia ter sido feito para evitar, quando efetivamente existe algo a ser feito. É logico que se alimentar é importante, e trabalhar e se divertir. Mas é preciso estar vivo para considerar fazer isto. Salvo aqueles que realmente precisam sair das suas casas para garantir o básico e que de algum modo são “forçados” a isso, o setor da saúde está entre eles e outros diversos, mas não podemos ser hipócritas e desumanos e festejar, ou estaremos comemorando mortes.
É logico que precisamos trabalhar, e continuar a viver, se distrair de algum modo. Mas o maior patrimônio da humanidade é a vida. Os grandes empresários do Brasil sempre consumiram a nossa força de trabalho, os nossos bons momentos com a família em jornadas absurdas. Com a ajuda do capitalismo e sua necessidade de manutenção nos fazem acreditar que precisamos de coisas que muitas vezes não faz a menor diferença, sem contar o que fazem com as mulheres em relação a diversas ditaduras de consumo. Mas não existe o que viver de bom ou ruim se não existir a vida em si, e tempo para desfrutar alegrias com quem amamos. Como assim comprar uma bolsa nova, sem vida você não precisará de bolsa.
Pessoas que não se preocupam com a sua saúde e bem-estar não querem o seu bem, estão interessados somente no que você pode oferecer a elas, e se você morrer te substituem. São estes que enriquecem a partir do consumo desenfreado e são os que querem que as escolas e todo o resto voltem a funcionar meio a pandemia. Muito mais interessados que a mãezinha que trabalha e necessita deixar seus filhos sob os cuidados da escola, ou os que se preocupam com seu aprendizado. Imagine se o governo desse suporte para estas famílias com um salário mínimo (pelo menos), garanto que estas pessoas se sentiriam mais tranquilas para esperar isto passar.
Momento de continuidade da vida normal?
Este não é momento de retornar as aulas, fazer festas ou fingir demência para fazer o que se tem vontade. E isso não é porque os governadores ou prefeitos não querem; todos perdem se a economia não girar e as coisas não voltar ao normal. Não estão querendo “quebrar” o país. O problema é a doença, a COVID 19 – é uma pandemia, o mundo todo sofre os seus efeitos, outros países também passaram por este momento. É preciso olhar estes exemplos e seguir pelos caminhos mais seguros de preservação de vidas. Faça a possível para conservar a vida das pessoas que ama, não falta muito para o fim, mas é preciso segurar um pouco mais.
Este é o momento de conservar a sua vida e daqueles que ama. A pandemia vai acabar, e espero que seja logo. Seja aquele que fica para contar a história e não a fazer parte dos números que a compõe. Cuide-se, e se ame. Muitos precisam de você, mas se você não existir nada disso fará sentido.
Texto: Grazy Nazario.
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