segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Meu filho, minha vida

 Por muito tempo ouvi esta frase e confesso, nunca concordei com a carga que ela carrega, muito menos com o simbolismo trazido junto a algo definitivo e concreto, principalmente por se tratar de duas vidas, e não apenas de uma frase.




Desde a primeira vez que ouvi, e vale dizer que na época eu já era mãe, fiquei espantada e considerei um absurdo sonoro. A princípio pela “anulação” como mulher diante daquelas palavras, como se a vida de uma mãe, no caso, ou mesmo de um pai se resumisse em outro ser. Á primeira vista pode parecer afetuoso falar que a sua vida se resume na vida do seu filho ou filha, quer dizer que tudo estes pais fariam por esta criança, ou por este filho. Mas até que ponto fazer de “tudo” por alguém é bom?

Antes de prosseguir já adianto que, longe de mim dizer que devemos esquecer dos filhos, ou deixá-los de fora das nossas prioridades, temos deveres mínimos, isto é um fato. Além disso, como eu já disse em outros textos, a responsabilidade da criação de um outro ser está além de obrigação ou legalidade social. É preciso pensar em aprendizado, crescimento, troca de afeto, entre outras funcionalidades importantes de quando vivemos e passamos adiante a nossa “semente” de continuidade da existência.

Bem da verdade, filhos não precisam ser isto ou aquilo, podem ser vários sentimentos ao mesmo tempo, e é por este e outros motivos que a frase em questão é perigosa, e deveria estar fora da fala e da vida das pessoas. Principalmente por que é uma promessa que ninguém poderia cumprir, e de muitas maneiras.  

A começar pela realidade prática e racional. Quando você ou seu filho(a) morrer, o outro permanecerá, ele não é sua vida. Você é sua vida, e o seu filho é extremamente importante, enriquecedor, etc e tals. Mas ele é outro ser. O seu filho é uma parte importante da sua vida, mas não é o todo. Esta responsabilidade é uma idéia romântica que sobrecarrega psicologicamente os dois lados, limita ações, direcionamentos. Além de ser nitidamente mesquinho e egoísta.

 

 Outro lado de um mesmo fato


 Olhando por outro ângulo, quando você atribui toda a responsabilidade de suas escolhas em outro alguém, como se aquela pessoa te impedisse de realizar algo, automaticamente esta tirando esta responsabilidade de você. Neste caso, esta criança, que um dia será um adulto, ficará responsável por suas frustações e não realizações? Afinal, não existe nada mais certo quanto o tempo, e é certeiro que ele passa.  Que tipo de anulação seria justificável em condenar as próprias vontades, e transferir a culpa para alguém que não tem a mínima idéia do que está acontecendo?

Troca-se o desistir por transferir. Desistir de prosseguir em suas escolhas por si mesma, e transferir a culpa para a nova “vida”. Quando o correto seria viabilizar, pensar em possibilidades, fazer de tudo para permanecer em busca de suas realizações pessoais, e evitar sobrecarregar a si e a este outro ser. Planejamento e adaptações levam tempo, desistir é imediato.

Muitas pessoas ao ter um filho, planejado ou não, muda os rumos da própria vida, seja quanto a comportamento, profissão, visão de mundo e etc. isto é comum. No entanto, estas mudanças precisam ser de forma consciente, ou a tal idéia de “meu filho, minha vida”, poderá se virar contra a própria criança, que um dia crescerá, e certamente não fará o que os pais querem, por um motivo simples: trata-se de outro ser humano, com vontades, percepções, gostos e idéias próprias, que você ou ninguém poderá ou terá o direito de controlar.

 

Seres humanos, e a vida real

 

Logicamente que ao nascerem os filhos precisam de mais cuidados. É necessário sempre que alguém esteja perto, aos poucos, após os ensinamentos básicos e à medida que vão crescendo, eles precisam, literalmente, andar sozinhos. Os seres humanos precisam de muito tempo para se desenvolverem. Diferente de outras espécies, como os cachorros, cavalos, entre outros seres que já nascem andando e em poucos meses sobrevivem sozinhos normalmente. Seres humanos, demoram, no mínimo, dezoito anos para ter alcançado um patamar intelectual bacana para desenvolver e executar algumas funções.

Diante disso, temos um longo caminho de construção social, entre familiares, filhos e sociedade. Definitivamente somos seres humanos diferentes, com personalidades distintas, e apesar das semelhanças com os meus pais, me orgulho em dizer que tenho minha própria essência, e é bom ter certeza de que os meus filhos possuem a deles.

Já é desafiador o bastante transmitir valores, conceitos de viver em sociedade respeitosamente, considerando diferenças, sem deixar de validar a própria existência como algo importante. E mesmo diante de tantas explicações e argumentos, os nossos filhos podem, muitas vezes ter outra percepção de mundo, porque trata-se de pessoas diferentes de nós. E embora ter tido o prazer de acolher seus primeiros sorrisos, acalentar o seu choro, e acordar muitas madrugadas para cuidar da febre sem motivo aparente, isto não é garantia de nada. A troca é naquele momento, e só.

 

Conserve as suas crianças

 

Crianças são espetaculares, não apenas por sua inocência, capacidade de adaptação e flexibilidade, elas são também fortes, inteligentes e ativas. Quando falamos “conserve a sua criança interior”, é basicamente esta essência criadora e corajosa a qual nos referimos, e quem consegue isto é intimamente feliz.

Quanto aos seus filhos, criança ou não, o abrace, jogue os mais diversos jogos, seja no tabuleiro, ou no celular (deixe ele compartilhar o seu mundo eletrônico contigo), observe aqueles olhares inocentes de carinho.

São estes instantes que pertencem a você. Na sua memória, quando se lembrar daquela criança que tanto ama e que continuará a amar com o passar dos anos. Lembre-se de que você também já esteve naquele lugar, ali existe alguém, como já existia em você.

Tenha saudade sempre que quiser, não se culpe, e cuide da sua vida de verdade, você tem uma.

Para o dia das crianças, é desejável que deixemos que elas sejam crianças, inocentes, mas ainda responsáveis ao que lhes cabem. É desafiador buscar equilíbrio, mas é este o principal papel da família. Que seja possível permanecer em busca do que te faz feliz e te causa o riso. Não os culpe por seus erros, faça escolhas com eles, para eles e apesar deles.

Que você se permita ser feliz na vida que escolher. E os filhos, na vida que escolherem, com toda autonomia que merecemos, e a liberdade que alcançamos.

Minha vida, meus filhos e nossas experiências.  


Texto: Grazy Nazario. 

6 comentários:

  1. Parabéns minha amiga pelo texto e pela reflexão!
    Vale a pena reforçar, que os filhos não são propriedade única e exclusivamente nossa.
    Criamos nossos filhos para o mundo, e cada um deles, deverá viver sua própria experiência e aprender a tomar decisões e assumir todas as suas escolhas.
    É preciso saber o momento exato de liberar suas asas, para que voem como águias e não vivam como pintinhos, sempre debaixo das nossas asas.
    Somos seres individuais, cada um realizando suas mais diversas experiências e tudo nessa vida é um eterno aprendizado.

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  2. Respostas
    1. Nossa! Tudo o que estou vivenciando! Incrível. Nos criamos dependência! Temos a pretensão de achar que eles são nossas vidas. Neste momento, minha filha de 23 anos me ensina interpretar melhor está relação! Alguém que eu achava que me dava trabalho. O contrário. Tem luz própria e individualidade. Tão importante para as mulheres atualmente. Bela reflexão amiga querida. Muito me ajudou!

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  3. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

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