segunda-feira, 20 de março de 2017

Destino de Maria

Os gritos insistentes da criança latejavam ainda antes do dia amanhecer, irritante era o eco que se espalhava por entre os cômodos ainda praticamente vazios. As paredes recém-construídas deixavam os moradores inundados no cheiro, e no pó de cimento, o chão de terra batida era úmido, quase molhado como a lama da rua em dias de chuva fina. Maria dormia ao lado do pequeno rebento, seu colchão surrado estendido ao chão compunha o terceiro cômodo da casa, e o cesto de criança comportava o pequeno barulhento, que a dois dias completara dois meses.

A rotina da jovem era o que existia para lhe acontecer como certo, a linha de seu destino traçada e dita, como aquilo que caberia a si como correto, ou possível. Em seus recém completos 18 anos, os afazeres de cuidar do filho era o que lhe restava quando não havia se instalado na realidade de ter também um marido, pai de sua criança.

Maria lembrou-se da mãe comentando sobre a sua prima Rose. Esta era uma perdição, a ovelha perdida! Saíra de casa ainda jovem, não seguia as ordens do pai, logo arrumou um homem na cidade, que a deixou gravida e sozinha. Em pouco tempo Rose havia se tornado uma mulher de vida fácil. Por este motivo, era prudente “fechar as pernas”, e só abrir a um único homem depois de casada, assim seria mais difícil ser largada à própria sorte.  

Mas como já se conhece de longa data e grandes histórias, o que precisa acontecer, acontece. Ainda menina moça, Maria não queria ser uma ovelha perdida como a prima. Mas para isso deveria saber como segurar aquele vulcão que dominava as suas forças em algumas noites, seu corpo ficava febril e a sua pele queimava como labaredas, se alguém ensinasse a receita, não mediria esforços para guardar o “bicho” sedento, que por vezes lhe dominava por completo. A morena de quadril voluptuoso, seios duros, e cabelos longos e crespos, não aprendera como lhe aconselhou a mãe, e outras mulheres do bairro. Maria não sabia o nome daquilo que sentia, nem como impedir, mas era muito bom quando conseguia dar um jeito de se acalmar, antes de tudo começar novamente.

Numa noite, dessas de lua cheia e marasmo total, Maria foi a venda buscar um legume a pedido da mãe, trocou olhares sedentos com o jovem de sua idade, o rapaz ajudava o pai na quitanda da cidade. Trocaram palavras e sussurros usando a linguagem hormonal, em pouco tempo os dois estavam de esfregação atrás da venda, e quanto mais Maria se esfregava no jovem viril, mais a ardência tornava-se incontrolável. As suas saídas passaram a ter endereço e propósito, não tinha hora, nem lugar.

O inchaço dos seios, no ventre, o estomago pesado, a cabeça confusa. Muita bebida, remédios e até promessas, foram tentativas de não permitir que a semente fosse cultivada, odiava pensar naquilo se tornar possível fruto, queria o galho seco, só o abate do fogo lhe interessava, aguar e adubar sementes era holocausto desconhecido em terra fértil de mãe obrigatoriamente gentil.

Depois do tempo certo de parir, a criança surgia aos berros para os braços da mãe. Maria segurou o menino e nada enxergou além de gritos e desespero. O som invadiu os tímpanos pelas entranhas, as veias tremiam de dor, a visão era escuridão, o contato dolorido repelia como um choque, e queimava sob o toque da pele a boca suculenta e o estomago vazio. Dor, era a resposta para a pergunta, qualquer que fosse a curiosidade. Ao adormecer eram momentos de infinitas penumbras, intermináveis batalhas e berros por dentro do desconhecido, vozes gritavam emendando instantes até se tornarem horas de suplicio.

O pai não teve duvidas, a menina de certo estava fazendo corpo mole para cuidar da criança, deu-lhe uma surra, não lhe permitiu que saísse de casa, falasse com amigos, muito menos que se esfregasse em outro homem, viveria presa até aprender a dar alimento e acalento pra sua criança.

No dia seguinte a mãe chegou chamando por Maria, mas o que encontrou foi o bebe chorando, tinindo de fome, molhado, descuidado, desnutrido de amor. Depois de feito todos os cuidados com a criança, decidiu ser importante saber onde estava a filha enfim.

Passado duas semanas de incertezas a noticia chegou a sua porta, o pai queria não saber sobre aquela desvalida criatura, era a morte antes das vias de fato. A narrativa foi empolgante, como um filme contato por um anunciante de uma noticia de grande valor. Lhe foi dito que Maria era a mais nova moradora do bordel da cidade, à dias se drogava, praticava sexo de forma gratuita ou cobrada, Maria era a nova PUTA da cidade, e os homens estavam a usar e consumir de sua carne proibida.

O pai empalideceu, nem em seus piores delírios ouviria aquilo em calmaria. Pegou sua arma dentro da gaveta do armário, saiu gritando que acabaria com a vida de Puta da filha, e que acabaria também com qualquer manifestação de vida que ela pudesse ter, nada lhe seria mais vergonhoso e cruel. 

O bilhete estava sobre a mesa. O corpo dependurado.

Eu decidi caminhar em meu destino.
Se existir vida após a destruição das leis, se a lei não for a vida desabrochando em migalhas de sobrevivência. Se existir benevolência por covardia de se negar a viver o que não é capaz. Se assim for reviverei, e serei diferente daquilo que fui até hoje.

Maria.


O pai chegou, encontrou o corpo nu enforcado arroxeado e gélido, olhos semiabertos.  Maria decretou o próprio destino, a morte era a única verdade a ser oferecida por quem pouco conhecida da própria vida.




Texto: Grazy Nazario. 


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