Os gritos insistentes da criança
latejavam ainda antes do dia amanhecer, irritante era o eco que se espalhava
por entre os cômodos ainda praticamente vazios. As paredes recém-construídas
deixavam os moradores inundados no cheiro, e no pó de cimento, o chão de terra
batida era úmido, quase molhado como a lama da rua em dias de chuva fina. Maria
dormia ao lado do pequeno rebento, seu colchão surrado estendido ao chão
compunha o terceiro cômodo da casa, e o cesto de criança comportava o pequeno
barulhento, que a dois dias completara dois meses.
A rotina da jovem era o que existia
para lhe acontecer como certo, a linha de seu destino traçada e dita, como
aquilo que caberia a si como correto, ou possível. Em seus recém completos 18
anos, os afazeres de cuidar do filho era o que lhe restava quando não havia se
instalado na realidade de ter também um marido, pai de sua criança.
Maria lembrou-se da mãe comentando sobre
a sua prima Rose. Esta era uma perdição, a ovelha perdida! Saíra de casa ainda
jovem, não seguia as ordens do pai, logo arrumou um homem na cidade, que a deixou
gravida e sozinha. Em pouco tempo Rose havia se tornado uma mulher de vida
fácil. Por este motivo, era prudente “fechar as pernas”, e só abrir a um único homem
depois de casada, assim seria mais difícil ser largada à própria sorte.
Mas como já se conhece de longa data e
grandes histórias, o que precisa acontecer, acontece. Ainda menina moça, Maria
não queria ser uma ovelha perdida como a prima. Mas para isso deveria saber como
segurar aquele vulcão que dominava as suas forças em algumas noites, seu corpo
ficava febril e a sua pele queimava como labaredas, se alguém ensinasse a receita,
não mediria esforços para guardar o “bicho” sedento, que por vezes lhe dominava
por completo. A morena de quadril voluptuoso, seios duros, e cabelos longos e
crespos, não aprendera como lhe aconselhou a mãe, e outras mulheres do bairro.
Maria não sabia o nome daquilo que sentia, nem como impedir, mas era muito bom
quando conseguia dar um jeito de se acalmar, antes de tudo começar novamente.
Numa noite, dessas de lua cheia e
marasmo total, Maria foi a venda buscar um legume a pedido da mãe, trocou
olhares sedentos com o jovem de sua idade, o rapaz ajudava o pai na quitanda da
cidade. Trocaram palavras e sussurros usando a linguagem hormonal, em pouco
tempo os dois estavam de esfregação atrás da venda, e quanto mais Maria se
esfregava no jovem viril, mais a ardência tornava-se incontrolável. As suas
saídas passaram a ter endereço e propósito, não tinha hora, nem lugar.
O inchaço dos seios, no ventre, o estomago
pesado, a cabeça confusa. Muita bebida, remédios e até promessas, foram tentativas
de não permitir que a semente fosse cultivada, odiava pensar naquilo se tornar
possível fruto, queria o galho seco, só o abate do fogo lhe interessava, aguar
e adubar sementes era holocausto desconhecido em terra fértil de mãe
obrigatoriamente gentil.
Depois do tempo certo de parir, a
criança surgia aos berros para os braços da mãe. Maria segurou o menino e nada
enxergou além de gritos e desespero. O som invadiu os tímpanos pelas entranhas,
as veias tremiam de dor, a visão era escuridão, o contato dolorido repelia como
um choque, e queimava sob o toque da pele a boca suculenta e o estomago vazio. Dor,
era a resposta para a pergunta, qualquer que fosse a curiosidade. Ao adormecer
eram momentos de infinitas penumbras, intermináveis batalhas e berros por
dentro do desconhecido, vozes gritavam emendando instantes até se tornarem
horas de suplicio.
O pai não teve duvidas, a menina de
certo estava fazendo corpo mole para cuidar da criança, deu-lhe uma surra, não
lhe permitiu que saísse de casa, falasse com amigos, muito menos que se
esfregasse em outro homem, viveria presa até aprender a dar alimento e acalento
pra sua criança.
No dia seguinte a mãe chegou chamando por
Maria, mas o que encontrou foi o bebe chorando, tinindo de fome, molhado,
descuidado, desnutrido de amor. Depois de feito todos os cuidados com a criança,
decidiu ser importante saber onde estava a filha enfim.
Passado duas semanas de incertezas a
noticia chegou a sua porta, o pai queria não saber sobre aquela desvalida
criatura, era a morte antes das vias de fato. A narrativa foi empolgante, como
um filme contato por um anunciante de uma noticia de grande valor. Lhe foi dito
que Maria era a mais nova moradora do bordel da cidade, à dias se drogava, praticava
sexo de forma gratuita ou cobrada, Maria era a nova PUTA da cidade, e os homens
estavam a usar e consumir de sua carne proibida.
O pai empalideceu, nem em seus piores
delírios ouviria aquilo em calmaria. Pegou sua arma dentro da gaveta do
armário, saiu gritando que acabaria com a vida de Puta da filha, e que acabaria
também com qualquer manifestação de vida que ela pudesse ter, nada lhe seria
mais vergonhoso e cruel.
O bilhete estava sobre a mesa. O corpo dependurado.
Eu
decidi caminhar em meu destino.
Se existir vida após a destruição das
leis, se a lei não for a vida desabrochando em migalhas de sobrevivência. Se
existir benevolência por covardia de se negar a viver o que não é capaz. Se
assim for reviverei, e serei diferente daquilo que fui até hoje.
Maria.
O pai chegou, encontrou o corpo nu
enforcado arroxeado e gélido, olhos semiabertos. Maria decretou o próprio destino, a morte era
a única verdade a ser oferecida por quem pouco conhecida da própria vida.
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