quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Não existe idade para a luta, existem motivos

Supostamente na idade de “aceitar” o mundo como está e pouco dizer ou interferir, adolescentes usam o espaço escolar para além do raso significado determinado como um local de conteúdos a aprender. O espaço social e de educação formal é também usado como um ambiente de troca, de compreensão e de transformação social dentro e fora da escola.
Estas são as pessoas que também cuidarão deste planeta no futuro. Nada está perdido!

O grupo de estudantes da EMEF Eduardo Prado inicialmente poderia ser chamado de Grêmio. Seria normal dizer que jovens da escola que participam das atividades do conselho, opinam quanto as prioridades da escola, e representam as vontades dos seus colegas, seja denominado grêmio estudantil. No entanto, o grupo de predominância feminina dessa unidade escolar, se autointitula um grupo feminista, não foram escolhidas através de votos, mas se sentiram eleitas por necessidades maiores e de percepção geral. Além de praticar as atividades que também poderiam ser de responsabilidade de um grêmio estudantil, enfatizam a luta por igualdade entre os gêneros, e problematizam questões essenciais para que a convivência escolar aconteça de forma saudável.

O grupo principal é formado por cerca de trinta meninas, este é um numero expressivo diante da propriedade e do compromisso com que a turma trabalha as questões. A autonomia é visível desde a construção do grupo em divisões de tarefas e determinações gerais, até a fala de cada uma. É claro que existe a colaboração de um “adulto”, a presença e apoio do corpo docente é essencial quando falamos de espaços escolares. Neste caso, o professor Eduardo de língua portuguesa é o mediador e apoiador do projeto que carrega o nome MOVIFEMI, Movimento Feminista na Escola.  

Entre as motivações para a criação do grupo estão algumas situações incomodas, e que muitas delas notaram parecer irreversíveis, e dignas de intervenções. Segundo conta uma das meninas, a primeira batalha vencida foi o uso da calça legging durante a educação física. Embora pareça algo banal ou simples de resolver, a ideia de que elas não deveriam usar a peça para não gerar “desconforto” para os meninos era, no mínimo, ridícula e sem cabimento. Não existia desrespeito em usar uma roupa que facilita as atividades físicas, existe desrespeito quando não se pode fazer isso por que as outras pessoas não aprenderam a ter limites diante do corpo do outro. Naquele instante foi percebida uma troca de valores, antes não notada, e a partir daquilo nascia um grupo que se incomodaria com outras atitudes semelhantes.

Conversando com as meninas nota-se a liderança natural que elas possuem sobre as ideias e conceitos feministas, mas não apenas isso, também fica claro a preocupação com as minorias diante de qualquer natureza como racismo, homofobia, xenofobia, entre outras questões preconceituosas. A partir deste viés, o grupo se mostra eclético em personalidades, o que garante abordagens diferentes respeitando a personalidade de cada garota, e levando em consideração como cada pessoa se enxerga e encara a própria sexualidade.

Os assuntos discutidos pelo grupo são diversos, vão desde falta de produtos específicos para as meninas como absorventes, passando por roupas, comportamento e condutas machistas em geral. O ideal é que seja algo do cotidiano, acontecendo e atrapalhando de algum modo a  vida ou a liberdade delas, seja no espaço escolar, na internet, televisão, ou na rua, o importante é se incomodar com isso, e buscar soluções.


As duvidas são consideradas algo natural e enriquecedor no grupo, esta é outra característica forte nas meninas do MOVIFEMI, varias questões são levantadas pelas colegas e problematizadas primeiramente entre o grupo, e muitas vezes compartilhadas em sala de aula. O importante é não deixar dúvidas, buscar fontes de pesquisas, e neste momento, mais uma vez o professor é um aliado e contribuinte.




Um dos trabalhos realizados pelo grupo


A organização é outro componente que acrescenta qualidade, o grupo MOVIFEMI se divide para falar com as turmas, a liderança é algo distante, pois o grupo se transparece em respeito mutuo de ideias e conceitos. Uma das integrantes é presidente do conselho da escola, e a sua fala transborda segurança quanto aos próprios direitos. A mesma percepção se espalha pelas outras integrantes, umas mais tímidas, outras mais falantes, mas todas em prol do mesmo objetivo.
As atividades não param em discursos ou reuniões no conselho da escola, as meninas criam cartazes sobre o tema, poesias, textos, entre outros, além de participarem das redes sociais  também fazem intercambio em outras Unidades Escolares, afinal o assunto não é novidade e esta a cada dia mais em alta. Produziram um manifesto (que estará disponível no final da matéria), assim como os endereços eletrônicos.

As meninas Beatriz Cavalcanti, Beatriz dos Santos, Brenda, Bruna, Gabrielly, Giovanna, Isabela, Larissa, Marcela, Mayza, Renata, Poliana, e Thais, Junto ao professor Eduardo estiveram durante o nosso bate papo que não apenas rendeu esta matéria, mas também uma gigantesca troca de conhecimento. O grupo não se encerra entre elas, existem outras pessoas da escola e de períodos diferentes que também são engajadas, e que se reúnem diante de qualquer necessidade, inclusive com a participação de meninos (mesmo em minoria), a voz e ouvido dos meninos é também considerado importante para melhores resultados.

Diante de atitudes como a do MOVIFEMI fica mais perto do real acreditar na mudança das pessoas e nas melhorias da humanidade, toda força coletiva possui melhores resultados, e tudo aquilo que é feito com qualidade e compromisso alcança os seus objetivos. Muitas meninas estão no seu ultimo ano na EMEF Eduardo Prado, mas já se preocupam com a continuação do MOVIFEMI portas adentro da escola, pois já sabem das dificuldades de se manter conquistas diante de uma verdade cultural diferente, a luta acontece todos os dias para alcançar e manter direitos.

Esta claro que a escola não é apenas um espaço de conteúdos, mas de grandes aprendizados sociais, está nela a base de qualquer construção social, é dentro dos muros das escolas que aquilo que conhecemos fora se inicia. Que a semente da igualdade se espalhe, a cada dia é preciso maior consciência diante dessa realidade. 

Texto: Grazy Nazario.
MTB. 74588/SP

Manifesto elaborado pelo MOVIFEMI

Manifesto em defesa de uma escola sem preconceito e discriminação

Mediante reunião realizada no inicio de abril de 2015 com pauta relacionada a situações de preconceitos, observados tanto dentro quanto fora da escola, verificou-se a necessidade de construir espaços de debates, formação e organização de combate aos diferentes preconceitos e discriminações decorrentes em nossa sociedade.

1 – Não tolerar nenhum tipo de opressão relacionada a discriminações raciais, homofóbicas e machistas no interior da escola. Com orientações especificas de como atuar em situações do tipo.

2- Estabelecer um coletivo de formação permanente visando conscientizar o coletivo da escola com o objetivo de superar as situações de discriminação.

3 – Encaminhar debates para que esta pauta integre todos os documentos oficiais da escola: Projeto Político Pedagógico e Regras de Convivência.

São Paulo, 28 de Maio de 2015.




*A unidade escolar EMEF Eduardo Prado é uma escola Municipal de São Paulo, pertence ao colegiado da Diretoria Regional de Educação Itaquera. Agradecimentos ao Diretor da Escola Sidney Aparecido da Silva, e ao Professor Eduardo que gentilmente cederam o espaço e nos convidaram a conhecer o grupo, e também as meninas que contribuíram com seus relatos.






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